Lúcia Helena e Regina Célia se cansaram da vida de solteira. E dos bares de solteiros. Dos bingos, antes mesmo que fechassem. Das aulas de dança de salão, onde tinham que fazer par uma com a outra. Das peças de teatro infantil, já que o cerco aos homens divorciados passando o fim de semana com os filhos era ferrenho. Acabaram no Tinder. Gêmeas, houveram por bem fazer um perfil só.
– Botaí, Celinha: homem, entre 40 e 50 anos, até 10 km de distância pra gente poder ir de táxi.
– Não é melhor colocar logo até 60? A gente já tá com 65…
– Nossa idade não precisa aparecer.
– Precisa, menina, taqui no cadastro.
– Então muda o cadastro!
– Não pode, é o do feicebuque.
– Muda no feicebuque, ora!
– Pronto, já estamos com 42. Dependendo da foto que a gente escolher, 42 passa, né?
– Bota aquela de quando a gente tinha 35. Aquela em Araxá.
– Aquela com o Maverick do papai ao fundo? Acho que vão desconfiar. Essa aqui no Píer de Ipanema está melhor.
– Essa tá ótima. Mas corta a Estela Maris, ali no canto, que ela está com o Evandro Mesquita no colo. Ela era babá dele, lembra?
Estela Maris era a irmã caçula, já casada.
– Como agora aparecemos mais jovenzinhas, deixa eu mudar a configuração: homem, entre 30 e, vá lá, 60 anos, até 20 km de distância, porque aí pega toda a Zona Sul, e a gente pode ir de 99. Pronto. Agora é só começar a deslizar.
– Olha esse, que simpático. Arlindo. 55. Bairro Peixoto, pertinho.
– Essa camisa polo pra dentro da bermuda rosa. Aquele forrinho de crochê na diagonal em cima do aparador. O gato angorá lá atrás. Desliza pra esquerda. Ele não.
– Ok. Ó, Eurico, 42, mora em Niterói, professor, #democracia #resistencia #vazajato #familicia #cadeoqueiroz Me chama pra um litrão,
– Litrão? O quê que é isso?
– Pode ser uma dessas práticas sexuais modernas, tipo mind setting e golden shower. Sei não.
– Tirando a barba, o coque e esse cigarro estranho na mão, até que ele, sim. Vou deslizar pra direita.
– Melhor não arriscar. Olha a camiseta das FARC e a tatuagem do Maduro. Desliza pra esquerda. Ele não.
– Tá bom. Elizeu, 57, empresário romântico pisciano amante de um bom vinho e afim de compromisso.
– Afim, assim, tudo junto? E Pisciano?
– Nem vem, que você também não sabia que “paralisar” era com S, e nós duas somos de Peixes, qual o problema?
– Ser de Peixes é uma coisa, mas botar “pisciano”, e com esse cabelo cor de cutia? Aposto que mora com a mãe e mente a idade. E eu não confio em homem que fala “um bom vinho”, como se alguém gostasse de vinho ruim. Desliza pra esquerda. Ele não.
– Mais um. Kawan, 18, gamer, nerd, 46 km de distância. Sugar baby.
– Quem pediu isso? Essa idade? Essa distância?
– Ninguém. Apareceu aqui. Mas não é de se jogar fora.
– Tá maluca, Celinha? O menino podia ser seu neto! E essas asinhas de anjo? E esse focinho de cachorro? Pela distância deve ser depois de Realengo.
– Vai que dá match, Lúcia Helena. E a gente gosta da mesma música.
– Como é que você sabe?
– Tá aqui: Sugar baby. Um garoto de 18 anos que conhece hits dos anos 70!
– Celinha, você também achou que fosse de eletricistas aquela comunidade do Orkut “Homens que gostam de fio terra”. E de marceneiros a comunidade “Pé de mesa”. E de delegados de polícia a “Adoro uma DP”. Foram 6 meses para se recuperar de cada encontro com o pessoal dessas comunidades.
– Deu match, Lúcia Helena! Deu match!
– Você que sabe. Eu ainda acho que é roubada deslizar pra direita nesses casos. É um tiro no escuro.
– Isso é inveja sua. Vou tomar um banho e enquanto isso vá chamando o Uber. “Sugar baby love ♫, sugar baby love ♫, I didn’t mean to make you blue ♫.”
– Ok, mas depois não diz que eu não avisei, porque na volta, se for tarifa dinâmica, você tá lascada.