Cor de rosa

Rosa

A expressão “cor de pele” é racista, porque há vários tons de pele.
Ok.
A expressão “cor de rosa” é o quê, então? Cromatista?

Há rosas brancas, vermelhas, amarelas, negras – e por que, quando se pede à atendente da loja uma camiseta cor de rosa, ela, invariavelmente, traz uma cor-de-rosa?

Há vários tipos de vinho – branco, tinto, rosê. Mas peça uma gravata vinho para ver de que cor o vendedor vai trazer.

Quando o Ritchie cantava “o abajur cor de carne”, de que cor era o abajur? Carne vermelha, carne branca, carne seca, salmão?

Por que “azul marinho” é sempre escuro, se o mar (vejo aqui da janela) está azul clarinho? Por que chamar de “celeste” o azul clarinho, se o céu pode estar de uma infinidade de tons de azul – e inclusive laranja e violeta ao pôr do sol, e preto à noite?

Como saber a medida de um pé cúbico, de uma braça, uma polegada, se cada polegar tem um tamanho, cada braça um comprimento, cada pé calça um número?

Porque é uma convenção.
Convencionou-se assim porque sim.

A linguagem não se dá bem com a concretude de pensamento.

Ou alguma mulher já deixou de ser dona de casa por morar em apartamento?
Algum transatlântico se recusou a cruzar o Pacífico?
Algum alpinista foi impedido de escalar o Himalaia?

Ok, não vamos mais chamar o parapeito de parapeito, porque, dependendo da pessoa, ele pode ficar na altura do umbigo ou do queixo.

Ninguém poderá dizer que usa terno se não estiver com o colete – afinal, terno (do latim “ternus”) quer dizer “três”: calça, colete e paletó.

Setembro tem que ser o mês 7; outubro, o 8; novembro, o 9; dezembro, o 10 – julho e agosto que entrem no final da fila.

O elevador só pode subir; a fechadura só pode ser usada para fechar. No armário só se podem guardar armas. Na prateleira, só pratos. Lençol, só de linho. Do chuveiro tem que cair chuva, não água da CEDAE.

Sim, é preciso tirar o ranço racista e sexista do idioma.

Parar de chamar os encaixes de madeira de macho e fêmea, perpetuando papéis sexuais. Acabar com essa história de “língua materna”, que isenta o pai do dever de ensinar os filhos a falar.

Nunca mais mencionar, na alfabetização, o circunflexo como “o chapeuzinho do vovô” e o acento agudo como “o grampo da vovó”: a vovó usa o que quiser, e o vovô (se ainda não for careca) pode dar um ápe no visual com grampo, tiara, coque, e ninguém tem nada a ver com isso.

Teremos um idioma sem preconceito, e muito menos sujeito a mal entendidos, quando houver mais diálogos assim:

– Demerval! Que foi que você fez na parede da sala?
– Pintei como a senhora mandou.
– Mas eu mandei pintar de creme! E você pintou de verde!
– Creme de espinafre, madame…

4 comentários em “Cor de rosa

  1. Eu não me acostumo é com essa briga com o modo de agir habitual, ficar procurando chifre em cabeça de cavalo…, ops, chifre é corno, o cavalo pode se ofender!!!!
    Eduardo, seu texto é ótimo!!!!

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