Saúde!

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Não dá mais tempo de ser bem sucedido numa das minhas maiores ambições, que era morrer jovem.

Mas pelo menos espero morrer antes de ficar hipocondríaco.

Vejo meu pai, cujos únicos assuntos são a gota, o diabetes, os joelhos, o problema nos olhos, as consultas, a dieta, o custo dos remédios.

A doença lhe ocupa todo o tempo, não sobra nada para a saúde.

Desço para nadar um pouco e fazer sauna, e ouço os velhinhos (só velhos frequentam a sauna) discorrendo sobre suas juntas, enxaquecas, safenas, coronárias.

As velhas, à beira da piscina (velhas nunca fazem sauna, mas como gostam de uma beira de piscina!), se não estão falando (mal) da empregada ou (muito mal) da novela, se empenham em dissertar sobre suas varizes, nódulos, manchas senis, joanetes, reposição hormonal, osteoporose.

Na fila do ônibus comunitário descobri que não se pode ser gentil com nenhum idoso. Basta um sorriso, uma gentileza, um protocolar bom dia, para ser soterrado por uma avalanche de dados médicos, queixas, sintomas, diagnósticos.

A quem interessa se minha vértebra S1 é operável? Ou que quando operei a L4 (o disco intervertebral deambulou) tive que ficar semanas de cama, e depois reaprender a andar, usar o banheiro, amarrar os cadarços? Que tive aulas de postura para me sentar à mesa (ereto, como um faraó, pés totalmente apoiados no chão) ou para o sexo (sempre deitado de costas, imóvel, joelhos levemente flexionados, fazendo no máximo um momento de báscula)?

Por que dividir com desconhecidos o resultado da minha polissonografia (tenho sono levíssimo, coalhado de microdespertares), ou a quantas anda o meu ácido úrico (está bem), o colesterol (no limite), creatinina, hemograma?

A quem interessa saber que tenho adiado sem razão aparente o exame de próstata (faço ainda nesta encarnação!) e a colonoscopia (faço numa das próximas encarnações, sem falta!)?

Não, quero morrer antes de me especializar em enfiar assuntos médicos em qualquer conversa (seja futebol, fotografia, protestos na Ucrânia ou obrigação de freios ABS).

Ninguém precisa ter conhecimento do fim iminente do meu Rivotril, da dificuldade de se encontrar no Rio uma farmácia que venda uma pasta de arnica, andiroba e mastruço que é uma beleza pra esse meu problema nos joelhos (hereditário, pelo visto) e do meu vício em magnésia bisurada (era em sal de frutas, mas – só por hoje! – esse eu superei).

Quando fui hospitalizado por causa de um acidente de trânsito, postei uma foto usando orgulhosamente um colete cervical. E não deixei de informar que o acidente ocorreu porque eu estava tomando corticoide para tratar de uma febre maculosa, e não podia dirigir, mas desobedeci e…

Bem, não vou ficar falando de doença aqui. Prefiro não lembrar que elas existem. Aliás, a coisa mais fácil do mundo vai ser não me lembrar delas, porque minha memória anda terrível. O médico diz que é stress, mas vou procurar uma segunda opinião.

Espero morrer antes de começar a não me lembrar mais das coisas.

Ou de ficar repetindo que queria ter morrido jovem, mas agora não dá mais.

Não sei se já mencionei isso, mas também espero morrer antes de ficar hipocondríaco, e me valer de qualquer pretexto – nem que seja um texto anti-hipocondria – pra falar de doença.

 

(publicado originalmente em 17 de dezembro de 2013)

2 comentários em “Saúde!

  1. Quando criança eu achava uma pessoa de 40 anos velha. Aos 40 conheci os óculos e depois vários outros probleminhas. Hoje tomo “apenas” 15 comprimidos diários, mas não preciso ficar explicando pra que serve cada um. Sou mais feliz aos 58 que quando tinha 20, a evolução mental e cultural me tornou uma pessoa que vale a pena, pelo menos na minha opinião, rsss. E vivam os remédios! Não tomo Rivotril, o meu é Aprozolam, mas vamos que vamos, sempre correndo atrás de algo melhor; sou jovem, tenho muito pela frente e só reclamo quando é muito insuportável.

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